quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O fim da escuridão (Edge of Darkness)

Mel Gibson continua sendo o Mel, que arranca suspiros das mulheres e povoa o imaginário feminino de mil e uma maneiras. Até o porteiro do hotel se for lindo e parecido com Gibson, pode ser chamado de Mel. Neste filme, Mel está dramático, é um policial durão. O diretor é Martin Campbell, que fez o excelente Cassino Royale, onde mostra um 007 sofrido, humano e apaixonado. Aqui, Mel também é um sofredor, que busca as razões do assassinato da filha e cai numa rede de intrigas sem precedentes. O filme é inspirado na minissérie da TV Britânica, e tem roteiro de William Monahan (Os Infiltrados) e Andrew Bowell.

Depois de ficar muitos anos por trás das câmeras, Gibson volta a atuar e demonstra que está muito à vontade em seu papel de pai vingador. O fio condutor da história é a relação entre pai e filha. O relacionamento entre os dois é doce e verdadeiro. Parece que já vimos aquilo, nos é muito familiar. A cena da menina encantada com o pai, olhando cada gesto seu ao fazer a barba, é belíssima. Thomas Craven (Mel Gibson) conversa com a filha (Emma Charlotte Craven) desde quando a filmava em 9 de junho de 1990, até depois de sua morte, aos 24 anos. Talvez, por ser um homem solitário, habituou-se a conversar com seus entes queridos independente da presença física destes. Um bom hábito, praticado por muitos de nós náo é verdade? Assim como ele, também nos sentimos aliviados conversando com nossos entes queridos, vivos ou mortos.

Martin Campbell filma de uma maneira clássica. Cada plano é estudado de forma a compor segundo regras clássicas compositivas. Pode-se observar como ele alterna os primeiros planos com o rosto enrugado de Mel, a porta fechada, abrindo, o rosto de Mel, seu olhar, que passa pela estante do quarto da filha, tentando unir os cacos da história. Gibson senta na cama, vemos seu corpo inteiro, novamente seu o olhar percorre as fotos, ouvimos a voz da filha, ele responde... A visão perspicaz e incansável do pai desvela a terrível história de crime e corrupção. Uma cena anterior explica a seguinte. Quando o policial pede uma tesoura, na hora do reconhecimento do cadáver da filha, na cena seguinte, vemos sua mão carregando um cacho do cabelo da jovem. Nada parece ser gratuíto, cada detalhe contribui para a narrativa.

As cenas de ação e perseguição mostram Gibson dominando, à vontade em seu "métier". O policial transforma-se no pai-anjo vingador, num filme antológico, com raízes no policial noir. Sabemos que em segundos, algo terrível vai acontecer, e Martin Campbell consegue nos surpreender. Mesmo assim pulamos na cadeira quando a jovem - que vivia afirmando que possuía apenas uma loja de malas - sai do carro, após conversar com o Mel, imbatível na cena seguinte. Mira o alvo, o revólver explode o carro que o persegue, o vidro do carro assassino espirra sangue. As cenas são espetaculares, bem como o embate com os vilões da história.

Nada como comparar o comportamento de Jack Bennett (Danny Huston), o criminoso diretor da Northmoore, antes e depois das descobertas do pai. Quando Bennett recebe Craven na sala da empresa, demonstra todo o seu poder. Encarando o próprio mal, pergunta a Craven: - " Qual é a sensação"? Quando Mel o persegue, e como policial obriga o carro do diretor a parar, Gibson dá suas porradas geniais. Vemos o pavor no rosto do criminoso. Craven dá o troco e pergunta ao covarde Bennett: - " Qual é a sensação?" Campbell reservou para o final a melhor cena. Mesmo tardiamente, Craven vinga-se do mal maior. Observem a cena da morte de Bennett, é genial, nos identificamos e nos vingamos junto a Mel.

Além de Craven, o personagem fascinante do filme é representado por Darius Jedburgh ( Ray Winstone). O personagem possui um Departamento, que é formado por uma única pessoa, ele mesmo. Jedburgh, há mais de trinta anos, exerce seu ofício de proteger as falcatruas do governo, na função de consultor de segurança. Em seus diálogos com Craven, sentimos a aproximação entre os dois. Jedburgh fala a Craven, que lembra o grego Diógenes, que andava com uma lanterna à procura de um homem bom. Despede-se e responde para si mesmo: "- Nós já encontramos esse homem". A identificação entre os dois passa pela importância que ambos atribuem à família. Craven mesmo vivendo o inferno de ter perdido a filha, afirma que valeu a pena ser pai. Jedburgh responde que não sabe o que significa perder um filho, mas sabe o que significa não ter filhos. É não ter ninguém para carregar seu caixão.

Jedburgh deixa claro que sua função é impedir que Craven junte as peças do quebra cabeças do crime. Mas eis o crescimento do personagem. A reação de Jedburgh em seu reencontro com o senador e com os membros corruptos do governo é impressionante. Quando ele afirma que um povo merece coisa melhor... Prestem atenção! É genial ! É ainda a carência dos valores familiares que faz Jedburgh enfraquecer no último momento, quando enfrenta o jovem guarda a quem pergunta: - "Você tem filhos?" O guarda, jovem, loiro e aparentemente puro? responde que sim. Por um segundo Jedburgh titubeia e sela o seu próprio destino...

Assim, neste filme maniqueísta, no final, tudo fica arranjado e nos seus devidos lugares. Observem como vale ver Mel Gibson despreocupar-se com idade, rugas e cabelo ralo. Cuidem, os belíssimos olhos azuis continuam os mesmos.


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