segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O que resta do tempo (The time that remains)

Elia Suleiman, o diretor é um palestino que vive na França. " O que resta do tempo" conta a história de uma família palestina sob a ocupação israelense. Quando lhe perguntam se representa o cinema palestino, Suleiman se esquiva e afirma "que não sabe o que as pessoas falam quando citam esse tal conflito. Ele não faz parte do meu vocabulário. Sou um cineasta palestino que vive na França." ( Leia a entrevista do L. C. Merten, no Estadão, de 4 de fevereiro de 2010). Ué sai, - como dizem os mineiros - como não sabe? Se ele fala disso o tempo todo? Quem está contando a história do conflito é justamente ele! Agora que fez o filme e o mundo inteiro viu, porque tentar voltar atrás?

O diretor afirma que o filme é autobiográfico, conta a história de seus pais. Assim, mesmo narrando a sua própria vida em uma versão muito particular, Elia está tornando universal a questão de repressão e da ocupação na Palestina, o que tem muitos pontos em comum com a história de regimes totalitários, no mundo inteiro, no Brasil, no Uruguai, na Argentina e muitos outros países se citarmos apenas a América Latina.

Suleiman usa os diários do pai, as cartas da mãe - que nunca chegavam aos parentes - e as suas próprias lembranças para contar a história, que de tão entrecortada, às vezes é difícil de compreender. Além do que, os personagens são retratados de maneira tão e tão diferente quando adultos e idosos que ficam praticamente irreconhecíveis, com exceção do pai, o personagem trágico e cativante.O menino Suleiman é reprimido desde sempre. Na escola, invariavelmente é punido pelo diretor por alguma palavrinha fora de contexto que possa ter pronunciado. A educação que reprime, vigia e pune, na acepção de Foucault não acontece apenas nos territórios ocupados da Palestina, reina vitoriosa no mundo inteiro, no Colégio Nossa Senhora do Horto, em Dom Pedrito, eu que o diga. O menino, de tão reprimido passa a não pronunciar "palavra". Sua vontade, seus sonhos e seus desejos são caçados. É denunciado e precisa fugir. Assiste ao processo de destruição em que seu pai se vê envolvido. O filme mostra as memórias da família desde a ocupação da Palestina, em 1948.

O roteiro nem um pouco linear é acompanhado da narrativa em que os personagens entram e saem de quadros belíssimos, com a câmera parada. A vivência e a sensibilidade do diretor mostram aspectos dignos de nota.

O pai (Saleh Bakri) é um jovem rebelde, impotente frente às circunstâncias, vê seu espírito abater-se. Não tem como resistir, envelhece e morre precocemente. A mãe idosa é muito igual às outras mães do mundo, quando desiste da vida. Desiste de lutar. Os fogos de artifício estouram iluminando a noite, enquanto ela, sentada no terraço olha indiferente para outro lado. Até dormita um pouquinho preparando-se para a morte.

Os jovens, por outro lado são a maior forma de resistência. De saco cheio daquilo tudo, vão para as festas e ignoram o toque de recolher. Os próprio soldados, dentro do jipe - que anuncia o toque de recolher- estão com mais vontade de aderir ao rock que esquenta a festa. Ou ainda, indiferente ao tanque de guerra que o mira de perto, o jovem continua falando no celular, marca encontro com a namorada ou amigos.

Finalmente o próprio Elia Suleiman que teve a sua voz caçada, que nunca pronunciou palavra, agora está elaborando seus traumas e dramas, colocando-os nos seus devidos lugares. O cinema lhe restituiu a voz e isso é o mais belo no filme. Ainda lhe "resta tempo" para falar e gritar para o mundo inteiro!


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