terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Chéri

O romance clássico da escritora francesa Colette estava na minha estante, Chéri e O fim de Chéri. Recomecei uma leitura interrompida há séculos! Colette descreve com precisão a França da Belle Époque. O romance é escrito com uma delicadeza feminina, que é muito bem captada pelo diretor Stephen Frears, o mesmo de Ligações Perigosas e A Rainha. Frears faz a reconstituição de época com perfeição. Nunca os exteriores, os jardins de inverno e os terraços foram tão bem retratados. A luz e o brilho, os interiores e exteriores lembram as pinturas dos grandes artistas franceses. Michelle Pfeiffer faz a cortesã Léa de Lonval, originalmente Léonie Vallon, uma bela mulher que entra na curva da meia idade. Preocupa-se por estar perdendo a beleza, embora afirme que não precisa mais dela. Frears ressalta que na França desse período houve prostitutas poderosíssimas. Léa era uma delas. Sua antiga rival, Madame Peloux é mãe de Chéri, o jovem que Léa introduz na arte do amor.

As conversas , os interesses, tudo é superficialidade e futilidade. Chéri é uma criatura que não existe hoje em dia, será que existe? Trabalhar nem pensar! Foi educado como uma criança mimada que passa aos cuidados de Léa. Após seis anos de relacionamento, os dois percebem que formam uma parelha. O filme é fiel ao romance de Colette. Chéri é interpretado por Rupert Friend. Magro, longos cabelos escuros, melífluo, com ar de tédio ele passa seus dias atendendo aos desejos de Léa que o "adotou", mas também é dominado pela mãe, Madame Peloux. Kathy Bates faz a perfeita megera. Gorda, cínica vive de tramar contra Léa. Mas as duas conversam e tomam chá juntas, um chá regado a veneno destilado por Madame Peloux, que gentilmente e com voz doce diz para Léa : - "Agora que sua pele do pescoço e colo está flácida, o perfume adere e fixa melhor!".

Pensem um pouquinho, acho que temos muitas Madames Peloux em nossas vidas, muitas Madames Peloux querendo impor suas vontades mesquinhas sobre cada um de nós. Madames Peloux que não devem ficar sem resposta, quando nos aprontam com a voz mais doce. Talvez por isso mesmo eu tenha gostado tanto desse filme. Quem sabe, essas pessoas, agora, poderiam simplesmente passar a serem chamadas de Madame Peloux. Como Léa, nos acautelaríamos, exercitando o convívio com as pequenas cobras venenosas.

Michele Pfeiffer, no primeiro filme de Frears - Ligações Perigosas - estava jovem e bonita. Como Léa agora está madura e continua belíssima e charmosa. Depois de muito urdir e preparar cavilosamente Madame Peloux lança sua teia e ensaia um casamento de interesse entre Chéri e Edmée. Chéri deixa-se levar. Quando percebe, está casado com uma jovem que não ama. Léa se afasta na maior solidão. Se o personagem Chéri, com seu visual e caráter parece superado, as tramas e os enredos são atuais, e podem ser transpostos para os dias de hoje.
Frears denuncia a farsa nos relacionamentos, a maldade pura, os interesses por trás de atitudes aparentemente inocentes. Denuncia a mesquinhez e insignificância que domina as relações femininas. Denuncia o inferno do eterno feminino, tão bem compreendido, pela também francesa historiadora Michelle Perrot. Se o casamento de fachada com Edmée era simbolicamente uma vitória da família e uma tentativa de regrar o sexo em um altar de celebrações legítimas, contraditoriamente, no caso, era a garantia de uma família sem moralidade, um casamento de alcoviteiras. Sozinho e desestruturado Chéri percebe que permitiu que sua mãe transgredisse e dispusesse dele como um objeto de sua propriedade, que estava emprestado para Léa.

Para Chéri, Léa representava muito mais os valores de estabilidade e função familiar do que Edméee. Chéri é frágil, lembra os personagens de Fellini, parece estar saindo de um filme de Fellini. Dominado pelos outros não sabe bem o que quer da vida. Quando percebe seus próprios sentimentos, vê o quanto ama Léa. A vida a dois aparentemente provisória , de fato era um relacionamento sólido, uma vida de prazer e felicidade, irremediavelmente perdida?

Não deixe de assistir ao filme ou conferir o romance de Colette que está saindo pela Editora Record.


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