domingo, 20 de janeiro de 2013

Amour


Quando você vê o cartaz do filme pela primeira vez, sabe que não pode deixar de assistí-lo. Ainda mais quando estão presentes Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant. Ambos eram famosos nos anos 60, agora envelheceram. Isso a gente admite na nossa vida de comuns mortais. Mas os mitos - em nossa imaginação - não podem envelhecer. E nos projetamos nos dois idosos e sofremos. Percebemos que sofremos por nós, não por eles. Você sabe, não será fácil assistir a Amour. Óbvio, é muito mais sofrido e doloroso que Django Livre. Você se atreveria a dizer que é mais violento? Concordo, ninguém nunca está preparado para a morte de familiares ou para a própria.
Michael Haneke não sei porque resolveu tratar de um tema tão difícil e delicado. Quem assiste, pensa no sofrimento, na forma como terá que enfrentar a própria morte ou de seus familiares. Ou se já passou por isso, se pergunta se fez certo ou errado... Enfim, tudo é passado ou futuro incerto... De fato, isso não deve nos preocupar - é o que fala a minha irmã gêmea. Afinal, depositemos nosso corpinho e espírito na mão direita de Deus. Ele deve ter melhores planos para nós.
Amour não fala exatamente de amor. Mas de como Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva) enfrentam o fim de seus dias. Anne e Georges são um casal de idosos intelectuais, ligados à música. Mesmo assim, é possível notar que vivem sós. Uma ida ao concerto do ex-aluno Alexandre, uma visita do próprio. Tudo muito formal e desprovido de emoções. Eles são franceses e contidos. É assim mesmo. Tudo se complica quando Anne fica doente. O problema se agrava quando a cirurgia nas carótidas não tem bons resultados e Anne tem um AVC? Fica paralisada no lado direito do corpo. Com dificuldades para se movimentar, caminhar, falar e cuidar de si mesma.
O filme mostra a adaptação do casal à nova situação. Anne não se conforma com a doença. Faz o marido prometer que nunca mais a levará ao hospital. Nega-se a seguir um tratamento médico especializado. Nessa hora o ser humano atinge o limite. A solidariedade familiar se esfacela. A filha, interpretada por Isabelle Hupert é um ser tão distante quanto um estranho qualquer, mais preocupada com o destino dos bens da família...
Georges faz o que pode para cuidar pessoalmente da mulher. No poucos momentos de lucidez Anne poderia ter percebido que era demais pedir ao marido para responsabilizar-se por tudo. Ele não consegue ajudá-la a enfrentar o difícil processo final, muito menos adaptar-se a um problema crescente. O que choca o espectador, não é processo da doença irreversível, que leva o  ente querido, mas a forma como o personagem decide o final do Amour. 
No ato de Georges não existe amor. Ingmar Bergman em Gritos e Susurros mostra o amor muito mais que Hanaka. Mesmo assim as personagens de Bergman ao enfrentarem a doença, também sentem um misto de amor-ódio. A cumplicidade e o amor são substituídos por sentimentos de difícil compreensão, tão contraditórios que deixam Georges perplexo e perdido. 
A idéia chocante em  Amour é que Georges em ato de indulgência consigo mesmo, poderia pensar ou dizer que transgrediu em nome do Amour. Chocante é ter decidido o final de uma vida sem o seu consentimento. Chocante é o ódio que se dirige contra o outro. Chocante é assistir à incapacidade de redenção do personagem, vê-lo cometer a transgressão maior, em delito irreversível. Georges ainda poderia ter revertido o ódio contra si mesmo... , como parece insinuar esta história terrível que pode tirar o sono de cada um de nós. Ou causar uma depressãozinha no espectador, que poderá ficar deitado, o dia seguinte inteiro sem forças, pensando na morte...
Na sequência final, a filha, perplexa, custa a entender que o vazio de sua própria existência precedia o vazio maior que sentia ao enfrentar aquela casa vazia e gasta pelo tempo.
No momento em que a pomba entra no apartamento, Georges metaforicamente, em espécie de alegoria da morte,  fecha as janelas e recria a situação da vítima e seu algoz. Em ritual macabro, encerra-se com a ave num ambiente fechado. A pomba é a vítima sem escolha que apenas tem como opção, a morte. Como Anne, a ave tem a cabeça encoberta por um pano. Georges chega a afirmar que não matou-a. Não acredite, naquele momento tratava-se de ódio e de morte. Muito diferente de casas com  janelas abertas que podem acolher pássaros, lugares de bons ares onde eles estão livres para entrar e sair. Enfim é de amor e miséria que trata o difícil filme de Michael Hanaka que ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2012 e concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2013.
 

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