sexta-feira, 6 de março de 2009

MILK , A VOZ DA IGUALDADE

Milk , a voz da igualdade é dirigido por Gus Van Sant, com Sean Penn (Harvey Milk) no papel principal e James Franco (Scott) como o seu namorado. O filme nos revela a realidade dos anos 70 nos Estados Unidos, a liberdade sexual, a luta dos homossexuais e lésbicas pelos direitos civis.

Apesar de ser lento, um pouco cansativo e repetitivo, o filme mostra um personagem surpreendente: Harvey Milk é um homossexual assumido, que luta pelos direitos das minorias e termina sendo assassinado por suas idéias. A história do personagem adquire universalidade, quando se verifica, que dedica sua vida à luta pelos direitos básicos do cidadão, colocados na Declaração de Independência dos Estados Unidos:

“Todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e instituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade”.

Milk defende suas idéias e discursa como um estadista. Nessa hora ele é respeitado, mesmo sendo o diferente, o gay. O prefeito observa que Milk fala e age como um verdadeiro líder. Sua atividade política e luta pelos direitos das minorias transpõe a condição de homossexual e a contenda momentânea dos professores homossexuais, que lutam pelo simples direito de dar aulas. Pelas propostas da cantora conservadora, eles perderiam o direito de exercer seu ofício. Como se lecionar espanhol tivesse alguma coisa a ver com a opção sexual do professor, como afirma um deles.

O filme inicia mostrando a evolução do personagem Harvey Milk, que se muda para São Francisco, com Scott. Os dois se instalam em Castro e, monopolizam a atenção da comunidade gay, como forma de sobrevivência para seus negócios. Quando Milk verifica, que com sua liderança, o movimento consegue mudar o comportamento de uma grande cervejaria, decide se lançar na carreira política. Finalmente torna-se o primeiro gay a ser eleito para o cargo de supervisor, na Prefeitura de São Francisco.

Milk orgulhava-se e fazia questão de entrar na Prefeitura subindo os degraus da grande escadaria principal. Achei essa cena muito bonita, pelo aspecto simbólico que representa. Ensoberbecia-se de seu cargo, adquirido em eleição democrática. Nem ele tinha noção de sua própria força e evolução no engajamento na luta pelos direitos das minorias. Tanto que após sua morte, a importância de sua atuação foi comparada a de Martin Luther King.

A trajetória de Milk é narrada em flashback, com o próprio personagem narrando sua história. Seu discurso Give them Hope é um libelo na luta em favor das minorias; nele o autor clama que seja dada esperança a todas as minorias que tem o direito de ser felizes e de exercer sua cidadania, sem qualquer preconceito; não somente homossexuais e lésbicas, mas os idosos, desvalidos, desprotegidos, desassistidos, portadores de deficiência, paraplégicos e crianças abandonadas.

A luta de Milk lembra o filme de Ettore Scola, Um Dia muito Especial, quando o personagem de Marcelo Mastroiani é vítima do fascismo, na Itália, justamente por sua opção sexual. Na Itália fascista personagens como o de Mastroiani não tinham saída. As pessoas perdiam os empregos, eram presas e torturadas. Nos Estados Unidos não era muito diferente, daí a importância de Milk.

Mas enfim, o espectador “racionalmente”, concorda com Milk, sim! Concorda mesmo? De que lado nós estamos? Seremos traídos pela emoção?

Teríamos a coragem de assumir que o filme nos leva a pensar que somos capazes de pender para o lado do opressor, da cantora que invocava a família, para negar a Milk e aos homossexuais os direitos básicos de cidadania? E penderíamos também para o lado mesquinho do grande inimigo de Milk, do covarde Dan White (Josh Brolin) que o assassinou?

Veja que o assassino recebeu uma pena mínima de sete anos, cumpriu cinco, saiu da prisão, e em 1985 terminou tirando a própria vida. Nem ele se suportava, não é mesmo?

Isso muitos de nós não teríamos a coragem de confessar, ainda mais que é politicamente incorreto. E aí, torna-se difícil enfrentar a situação, todos colocam uma máscara nessa hora. E até olham para o lado, como mascarados do Carnaval de Veneza, para que ninguém possa ler em seus olhos o que verdadeiramente pensam ou sentem, e que nem os próprios entendem.

Ou ainda, poderíamos ser daqueles que pensam: eu não derrubo nenhuma lágrima por essas bichas, elas que se virem, embora eu não vá levantar nenhum dedo para negar-lhes o seu direito. Mas, continuo achando que em termos de direito de família, a “minha família” tem mais direitos. Há! Aqui está o pior preconceito velado, não conseguindo se esconder.

Ou ainda poderíamos pensar: Bah! Não dá para agüentar esses dois caras se agarrando, e se beijando, ainda mais o Sean Penn - que desperta suspiros entre as mulheres - e o James Franco, que desperdício, aquele homem lindo e irresistível para as mulheres - não dá mesmo!

Mas se a vida é assim mesmo, não há o que fazer. Atualmente, psicólogos e estudiosos afirmam que ser gay não é uma escolha. Sabe-se que pertencer às minorias não é fácil, é sofrer muito preconceito e perseguição.

E um pai como fica nessa situação? Muitos deles têm atitudes equivocadas:

- Uns não ficam sabendo nunca, morrem sem saber, pelo simples fato que não querem ver, preferem ser cegos e aceitam o “amigo” de seu filho, com placidez.
- Outros preferem ver o filho morto! Como no filme, querem fazer uma cirurgia no menino depravado!
- Outros dizem - da boca para fora - que o filho é o que mais amam no mundo, e que aquele intruso será aceito. Nunca!
- Outros ficam tão confusos que absolutamente não sabem o que fazer.
- E existem sim os que aceitam o filho e seu parceiro.

Acho que a aceitação do diferente, do filho diferente passa em primeiro lugar pela cabeça do próprio filho homossexual. Se, ser homossexual não é uma opção, não é uma escolha própria, enfim deve então, ser a aceitação de si mesmo em todos os sentidos. A aceitação de sua sexualidade, sem enganar-se a si próprio, e muito menos aos outros. Somente a própria aceitação abrirá caminho para a aceitação da família.

Este é o calcanhar de Aquiles do problema, e é o mais difícil de tudo. Foi o que Milk terminou por descobrir, depois de uma vida de lutas e sacrifícios, e é o que todo homossexual precisa saber fazer. Primeiro saber quem é e depois aceitar a si mesmo, para então abrir caminho para a aceitação dos outros.

Se o próprio homossexual tem dificuldades em reconhecer-se como tal, imagine um pai, como vai saber se seu filho é verdadeiramente um gay e aceitar ou não esse fato? O drama é sério e a situação está longe de ser resolvida. Não existe escola de preparação para pais, ninguém tem como se preparar para aceitar um filho homossexual, as coisas são o que são. Mas a aceitação do filho ou da filha tem que existir desde sempre, não se espera um devir. Todos nós precisamos estar conscientes disso.

O que vem antes dessa aceitação não fica claro para ninguém, muito menos para o próprio Milk. Cada um de nós enfim tem que poder dizer, eu sou o que sou e não devo nada para ninguém, não fiz nada de errado. Não roubei, nem matei. Quero ser amado e tenho o direito de procurar a felicidade. Embora isto por si só, muitas vezes não seja insuficiente para enfrentar o preconceito; e a luta pode ser inglória.

Foi nesse abelheiro que Milk teve a coragem de se jogar. Por isso ele é importante. Em sua trajetória, amadureceu e adquiriu a capacidade de assumir perante todos a sua condição de homossexual. Foi um grande ato de bravura. Ele faz um apelo aos jovens para que revelem a seus familiares a sua opção sexual: “Contem a verdade e assumam a sua própria identidade”, pede Milk. Esta transparência somente foi adquirida a muito custo e sofrimento, de uma vida de enfrentamento. Scott, quando duvida da nova consciência de Milk, o faz lembrar que este nunca o apresentou a sua mãe; seus namorados sempre eram escondidos da mãe.

A luta de Harvey foi uma grande vitória, não somente para os homossexuais e lésbicas dos anos 70, como para os pais da atualidade. Todas estas conquistas, que atualmente parecem naturais, de fato resultaram da luta de personagens como Harvey Milk. E tudo isto aconteceu somente há 39 anos. Se pararmos para pensar, a atuação política de Harvey e seu sacrifício o elevam verdadeiramente a condição de herói e mártir, um homem à frente de seu tempo que lutou; não venceu o preconceito, mas abriu o caminho para a luta das minorias.

A atuação de Sean Penn e James Franco é impecável, os dois gays isolam tudo aquilo que já provocaram no imaginário feminino.

Separadamente, cada por sua imagem de galã, já arrancou suspiros das mulheres, que - no mundo secreto da imaginação – sentem-se envolvidas emocionalmente com ambos. Quem não suspirou pelo olhar levemente estrábico (zarolhinho) de James Franco em Tristão e Isolda? E em tantos outros filmes em que ele era o menino sexy e problemático? Como em O último Suspeito em que contracena com Roberto de Niro?Não percam este filme, que premiou Sean Penn com o merecido Oscar de melhor ator, em 2009.

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