Alfredo Bini “presenta l’ assurdo Toto, il umano Toto, il matto Toto, il dolce Toto ne l’historia Uccelace Uccelini raccontada per Pier Pasolo Pasolini”.
O filme de Pasolini é uma reflexão sobre o homem, com um carácter de universalidade. Pasolini faz um reflexão sobre a humanidade, impulsionado pela ansiedade que o perturbava em razão da contradição entre seus valores marxistas e sua religiosidade católica.
O filme é desenvolvido de forma leve e cômica. Existem somente dois personagens centrais, o resto são figurantes, mostrados às vezes à distância, como se fossem louquinhos de hospício: Magros, de pernas compridas ou com sapatões fechados. As figuras se movimentam, correm e pulam, como num quadro de Jeronimus Bosch. Os diversos personagens anônimos, parados, muitas vezes ocupam a tela em close, e como em um documentário, crianças, velhos, inúteis ou anjos são mostrados em planos gerais, estáticos, em pé como em uma pintura, fazendo parte do cenário. Observam o espectador ou espiam uns aos outros. Pasolini mostra os arredores de Roma em uma nova estética, a estética da pobreza e do novo realismo italiano. A paisagem é completamente desprovida de obras de arte, no sentido oficial. Mas a própria paisagem de Pasolini é uma obra de arte. Nada daquela Roma dos livros de História da Arte e da Arquitetura. As casas não possuem telhado, têm fachadas retangulares, as janelas são simples buracos.
Os prédios são inacabados, casas sem reboco e ferros-velhos ocupam o cenário onde o diretor de forma leve e irônica mostra a fascinação e o horror da humanidade pela morte. Vemos o casal morto ser levado pela polícia. Da mulher, vislumbramos apenas os cabelos e a tiara com um grampo. Nada poderia ser mais pobre e comum.
O nascimento não é menos jocoso. A mulher grita de forma histérico-cômica, o espectador pensa que seus gritos fazem parte da encenação teatral, que acontece dentro do filme. Mas é justamente o mistério da vida, o nascimento de uma criança. Como no nascimento do menino Jesus, os atores, fantasiados e de raças diferentes se transformam em reis magos. Totó pede água quente, que é o que se pede, quando nasce uma criança. Ordena que Nino não olhe, que aquilo é proibido para menores. Mas o santo menino já estava habituado a sumir com meninas pelos campos escuros da cidadezinha. E tinha uma amiga Giusepinna, peituda com uma perna fina e outra muito grossa que havia lhe ensinado tudo o que sabia sobre sexo.
A maneira de filmar de Pasolini é uma homenagem ao cinema mudo de Charlie Chaplin. A figura de Totó, com suas pernas finas, calças justas, fraque, cartola e guarda chuva lembra o Carlitos de Chaplin, sempre Chaplin a inspirar os grandes diretores de cinema.
Se Totó era o capitalista, para a senhora paupérrima, que servia ninhos de andorinhas para seu filho débil e inútil, transforma-se em proletário perante o homem de negócios que precisa enfrentar. É subjugado pelos cachorros treinados do senhor poderoso, é ameaçado de ser preso se não pagar. Afinal, business são business afirma o negociante. Pasolini crítica o capitalismo americano e o american way of life. Até nos subúrbios italianos chega a influência norte americana, na dança dos jovens e no nome do Bar Las Vegas.
Na verdade Totó e Nino são uns palhaços e por isso também, esse filme transformou-se em um clássico do cinema e em uma obra prima que não enfraquece com o passar do tempo.
Pai e filho iniciam uma longa jornada, mas não pretendem chegar a lugar nenhum. A viagem já terminou quando a estrada começa, repete o narrador. A dupla circula pela estrada desolada onde se desenrolam os acontecimentos e onde iniciam e terminam os episódios.
O primeiro tempo do filme é dedicado aos caminhos por onde anda a humanidade. A crítica à sociedade moderna capitalista inicia com o título Dova va l’umanita? Totó e seu filho Ninetto, em uma linguagem metalingüística assumem seus próprios nomes no filme. A linguagem metafórica é empregada para descrever outro sistema de significados: Pasolini mostra seu pensamento através da fala do corvo, que como Palmiro Togliatti é o intelectual de esquerda.
Ninetto e Totó discorrem irresponsavelmente sobre o significado da vida e da morte: “Quando alguém morre tudo o que devia fazer está terminado. Feliz do pobre que poucos souberam que morreu. O rico paga a conta da vida, o pobre passa de uma morte para outra.” Pasolini, falando através do corvo critica os pobres de espírito que vivem no local: batem fotos, vão a batismos, trabalham na Fiat ou vão a quiromantes buscar remédios para vermes. O intelectual afirma que seu país se chama Ideologia, mora na Rua Karl Marx, no 70 x 7, seus pais são o sr. Dúvida e a Sra. Consciência; enquanto os Totós e Ninettos da vida moram na Rua dos Mortos de Fome, no 23, Bairro do Martírio de Santa Analfabeta, seus pais são Totó Inocente e Graça Simpliceti. As reflexões socialistas são formuladas com um humor bastante sutil.
A fábula de Uccellaci Uccellini, que aconteceu em 1200, faz uma referência explícita à atualidade. Pasolini cria a metáfora dos Gaviões e Passarinhos para mostrar a luta de classes na Itália dos anos 60 e seu objetivo marxista de conferir um papel revolucionário à classe operária. Pai e filho transformam-se em Frei Ciccillo e Frei Ninetto, e são encarregados por São Francisco de evangelizar Gaviões e Passarinhos. Ninetto é o completo idiota, que só sabe de sexo. Mas, com uma graça que só ele possui, carrega o pobre frade nas costas, enquanto a turba de desmiolados os ridiculariza. Esses personagens idiotas e louquinhos, como uma humanidade alienada, entram e saem do cenário, vão e vêm.
A mensagem do autor é expressa através de São Francisco: “Os pobres vivem massacrados pelos grandes, e são ricos somente de filhos. É preciso revelar Cristo aos fiéis carentes. É preciso predicar para os pássaros, evangelizar Gaviões e Passarinhos.” Quando o estúpido Ninetto vai atirar uma pedra nos passarinhos, Frei Ciccillo o impede afirmando: “Não somos santos, somos humanos, mas Deus nos deu um cérebro”.
A presença constante do barulho do vento remete à nossa infância. A vegetação rasteira ondula com o vento. A árvore solitária e desgalhada lembra aquela paisagem inesquecível que vimos um dia de chuva, na casa de nossas avós. Solitária, no meio do campo, mais nada apenas uma sina- sina, espinhenta e triste, do nosso Rio Grande. Dobrava-se com o vento de nossa infância distante. Por isso mesmo Pasolini é genial e universal.
Como uma criança, Ninetto pula como um passarinho no jogo de sapata e dá o clic em Frei Ciccillo: Para evangelizar e falar com os passarinhos é preciso dar pulinhos como eles. Em uma cena antológica, Frei Ciccillo dá pulinhos para falar e cantar para os Gaviões:
“Falchi, falchi, venite, ascoltate.
Venite, ascoltate.
Che siete.
Che rolete?
Siamo creature di Dio, vogliamo parlare com voi, creature di Dio.
Dio? Chi è Dio?
Il creatore delle creature.
E per quale regione Dio ci ha creati?
Voi perchè avete creato i vostri figli?
Allora ognuno di noi è Dio.
Esagerati. Ecco, non gli puoi dare um pò di considerazione che s’allargano subito.
E che cosa vuole da noi questo Dio?
Amore!
Amore!
Amore!
Com versos que podem nos orientar ainda hoje ele canta:
Ajuda-te e Deus te ajudará,
Com a fé, se crê, com a ciência, se vê.
Quem serve a Deus com fé sempre tem pressa.
Uma das cenas mais hilárias é a do circo que se forma em torno de Frei Ciccilllo, quando este permanece um ano sem falar, para conseguir utilizar seu cérebro e encantar os passarinhos. As camponesas enrugadas, rudes e desdentadas querem saber se o frade fica molhado quando chove. Permanecer seco, sob a chuva seria um sinal de santidade. Uma verdadeira feira de santos se forma em torno de Ciccillo, com comida, cantoria e procissões. Como Cristo, que chicoteou os mercadores, Ciccillo quebra e destrói toda aquela encenação. Chove ricota pelos ares, todos correm e um dos idiotas, com olhar abestalhado, mastiga sua última fatia de pão.
Quando acontece finalmente o verdadeiro milagre, Frei Ciccillo assobia, pula e fala com os passarinhos. É a cena que ninguém esquece, mesmo depois de termos assistido o filme há 30, 40 anos atrás:
Passeri venite ascoltate
Venite, ascoltate,
Chi siete?
Che volete?
Siamo servi del signore, vogliamo portarvi la buona novella.
Oh, finalmente era tanta che l’ aspettavamo.
Questa é bella Davvero? Gia, l’aspettavate?
El, si, d’inverno
Che non si vede più una briciola di cibo in tutta la campagna!
Boh l’buona novella ele ai umei? Annuoi amnesso di miglio, di grano tenro.
Um momento ! Che razza de buona novella state aspettando, compari?
Eh, si, specialmente d’inverno.
Buona novella.
Amnesso di miglio, di grano tenro.
Ahi ohi, quanta fatica dovro durare a portare ira voi la vera buona novella!
Bah, che cosa vuole da noi questa vera buona novella?
Il digiuno!
Che? Che? ha detto?
Il digiuno...ma un próprio al digiuno, digiuno.
Non vogliamo mica farvi morire di fam in somma… il sacrificio… l’amore
Oh signore, l’amore!
Amore!
Amore!
Amore!
Frei Ciccillo confessa a São Francisco que Gaviões e Passarinhos não se entendem e se matam. A mensagem espiritual de marxista Pasolini vem através da fala de São Francisco: Frei Ciccillo e Frei Ninetto devem ensinar aos Gaviões e Passarinhos o que eles não entenderam. Precisam fazê-los entender. É preciso mudar este mundo. O homem que vai mudar o mundo tem olhos azuis (porque Pasolini?). Ele vai dizer: Sabemos que a justiça é progressiva e à medida que a sociedade progride surge a consciência de sua composição imperfeita. Vêm à luz as desigualdades estridentes e implorantes que afligem a humanidade. É uma advertência sobre a desigualdade entre classes e nações. Andem, recomecem tudo do princípio em louvor ao senhor.
O filme Gaviões e Passarinhos marcou muitos de nós que o assistimos nos anos 60. Ficamos tão impressionados que também gostaríamos de falar com os passarinhos, que nem Totó.
Se um dia, um passarinho pequeninho de peito amarelo, com dois risquinhos brancos nos olhos entrasse em nossa casa, poderíamos comprar um bebedouro, com falsas flores amarelas e lilases, poderíamos colocar água com açúcar, para que toda a família de passarinhos viesse nos visitar. Chamaríamos o macho de Abrilino e a fêmea de Alairzinha. Ela com certeza entraria na casa, voaria até a begônia da sala, depois até o lustre, iria para a samambaia da área de serviço, posaria no armário da cozinha e sairia pela janela. Eles viriam muitas vezes. Tentaríamos falar com os passarinhos que nem Totó. Afinal, como afirma Pasolini, falar com passarinhos não é questão de ciência, mas de fé.
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