domingo, 22 de março de 2009

APPALOOSA, UMA CIDADE SEM LEI

Appaloosa é um belo western, do século XXI. Ed Harris atua e dirige o filme. Emprega uma linguagem que mantém o distanciamento do espectador e usa todos os elementos do verdadeiro western. O diretor utiliza uma linguagem do cinema, em que a função metalingüística fala e descreve a linguagem do verdadeiro western. É um western que fala de si mesmo.

Virgil Cole (Ed Harris) e Everett Hitch (Viggo Mortensen) são dois cavaleiros solitários, contratados pelos mandantes da pequena cidade de Appaloosa para conter Randall Gragg (Jeremy Irons) e seus homens. O bando fazia o que queria na cidade e nem sequer pagava seus gastos. No início do filme, Gragg mata a sangue frio, com três tiros certeiros, o xerife Jack Black e seus dois ajudantes. Appalosa era efetivamente uma cidade sem lei.

Como todo western, o filme possui um caráter masculino. O nome do filme refere-se à raça de cavalos Appaloosa introduzida nos Estados Unidos pelos imigrantes e aperfeiçoada pelos índios, nas proximidades do Rio Palouse. O cavalo Appaloosa tem uma pelagem mosqueada.

Desde o início, Cole deixa claro que a partir de então, o que ele e seu amigo Hitch disserem será a lei. E os desordeiros, que mijam, pior que bicho dentro do bar, não terão tempo nem de guardar suas pequenas geringonças como afirma Cole. Quando ele é cobrado por ter matado os arruaceiros, explica que deu apenas dois tiros, que seu amigo Hitch deu o terceiro.

O filme é contado por Hitch, que ao iniciar a narrativa, afirma que a vida se encarrega de fazer com que o previsto nunca aconteça e que o imprevisto é que termina contando a vida de cada um de nós.

A construção dos dois personagens é interessante. Hitch aos poucos vai mudando sua personalidade dentro do filme e assumindo o papel do herói solitário que defende os fracos, as mulheres e os homens da pequena cidade, nem que seja para fazer justiça com as próprias mãos.

A personalidade dos dois se revela através das roupas. Ed Harris possui olhos de um azul líquido e frio, onde se vê apenas o ponto escuro da pupila, num rosto dourado, e tornado mais expressivo pelas rugas. O chapéu de ambos, nunca cai; não tiram o chapéu dentro de casa. Afinal são os mocinhos do filme. Harris usa chapéu e roupas escuras, as calças caem por cima das botas. A indumentária de Hitch é mais estudada, é fashion como a de um modelo de desfile de modas. O rosto é dourado, possui bigodes e cavanhaque aparados. O cinturão com balas e fivela dourada cai sobre calças justas, com botas de cano alto. O colete e a camisa têm detalhes em couro. Os adereços do herói são a espingarda de cano comprido e a corrente do relógio. Tudo em tons castanho dourado. E ele faz pose. Os olhos de ambos são claros.

O inimigo é caracterizado com precisão. Jeremy Irons é um velho magro e ossudo, que caminha sem flexibilidade, com o rosto moreno, cabelos desalinhados e grisalhos, olhos castanhos e barba por fazer. Olhos maus e quase cerrados. É um cara seco e castanho.

As mulheres nos westerns ou são desprotegidas, ou são índias e tratadas com desprezo, ou são prostitutas. Em geral, elas são apenas o complemento do homem. Renée Zellweger não é diferente, é Allison French, uma prostituta, sem a menor noção de moral, que chega com apenas um dólar para hospedar-se na cidade. Observem que Allie retira-se para tocar piano, enquanto os homens discutem seus assuntos. Ela dedilha ao piano o Hanon, o cachorro vai - cachorro vem- cachorro vai- cachorro vem de nossa infância distante.

Cole é o homem forte no início, mas apesar disso sempre precisa do auxílio do amigo. Hitch é seu alter ego. Seguidamente faltam-lhe as palavras, ele gagueja e pergunta para Hitch, que sempre sabe tudo; é seu outro eu. Os dois se identificam e um é a expressão do outro. Cole tenta adquirir sabedoria, cultura e os valores americanos, lendo Emerson.

O aspecto subjacente a tudo, é que o filme trata da amizade masculina. Mas não daquela solidariedade masculina, a que todas nós, mulheres, nos referimos com superficialidade, mas de uma verdadeira amizade. Hitch sempre defende seu amigo, afirmando que Cole faz cumprir a lei, e que a morte é apenas um subproduto, mas que o xerife sempre fala a verdade.

Hitch é o personagem que compreende tudo desde o início e revela isto através do olhar. Ele pouco fala, mas seu olhar diz tudo. Este é um dos aspectos mais interessantes do filme, a melodia do olhar. Muitas vezes ouvi o Luiz Carlos Merten falar na melodia do olhar. Neste filme tudo se revela através do olhar dos atores. Em muitas cenas, ambos permanecem em vigia, sentados e imóveis com o olhar ao longe, perdendo-se no horizonte. Enquanto Harris é o durão, seus olhos líquidos são iluminados e petrificam o inimigo. Os dois são como lobos cuidando da matilha.

Allie é a femêa que não pode ficar sem seu homem. Mas ela é temerosa e insegura. Hitch sabe que a prostituta, para sentir-se protegida, precisa ficar com o vencedor, em qualquer situação. Então ela vai trocando de homens. Quando é flagrada pelos dois, nua, tomando banho com o inimigo, os amigos não falam, apenas se olham. Não é preciso dizer nada.

A chave do filme revela-se quando Allie tenta enredar Hitch, contando para Cole que ele teria tentado seduzi-la. Este tranquilamente afirma que não, que aquilo tudo é mentira e que ele acredita na versão do amigo. Não é sem razão que a casa de madeira, que seria o lar do casal nunca fica pronta. Mesmo assim, quando Everett o alerta sobre Allie. Cole afirma que apesar de tudo ele a ama.

Como em todo western, estão presentes a cena do assalto ao trem da Union Southren, a transposição do rio, o acampamento à noite, com a luz da fogueira, a luta com os índios e o duelo entre o mocinho e o bandido. Vejam que até os índios sabiam do comportamento deplorável de Allie. Após conquistarem o cavalo desejado, eles não vão embora sem antes cravar no chão a lança onde estava espetado o corpete da mulher.

O duelo entre os dois companheiros e Bragg e sua gangue, na Praça da pequena cidadezinha mexicana irá revelar o verdadeiro herói do filme. Após o tiroteio ambos parecem mortos. Mas Hitch, o mais forte levanta-se, recupera-se e fica ileso. A partir de então, vemos um Virgil Cole, fraco e manco. Ele até deixa de usar sua indumentária quando faz a viagem de trem. Tira suas botas e fica descalço, quando está sozinho na beira do rio. A força e a liderança são transferidas para Hitch que adquire o olhar líquido, azul muito claro. O olho é a única parte do rosto iluminada pelo sol, igual ao do amigo.

A cena antológica do duelo é uma caricatura dos duelos nos westerns. O cenário é montado com um teatro, com uma história em quadrinhos. Três figuras se destacam. Virgil de costas tenta proteger o amigo, que pede que ele se afaste. À esquerda, Allie observa temerosa e Hitch com em uma dança de balé espanhol; coloca a perna direita à frente, o braço esquerdo dobrado atrás da cintura e mira seu inimigo com um tiro certeiro. Quando atira com sua espingarda calibre oito, o inimigo desaba e cai, quase de quatro. Os personagens ficam parados, o tempo se dilata.

Como em todo western, o nosso herói solitário parte sozinho em seu cavalo. Não é um western clássico de John Ford, como Stagecoach (No tempo das diligências), nem possui todas as qualidades deste, mas é um filme em que Ed Harris e Viggo Mortensen estão ótimos e merece ser conferido.

Um comentário:

  1. Doris,
    Você viu esse filme no cinema ou já saiu em DVD? Penso que a pergunta procede tendo em vista que já vai tempo do lançamento na tela grande. Estou ansioso para assistir essa fita, pois, sou fã ardoroso de westerns.
    Abraço.
    CELDANI

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