quinta-feira, 26 de março de 2009

DÚVIDA

O filme Dúvida recebeu 5 indicações ao Oscar 2009, 5 indicações ao Globo de Ouro e 3 indicações ao BAFTA. Meril Streep foi indicada ao Oscar, na categoria Melhor Atriz e Philip Seymour Hoffman na categoria Melhor Ator Coadjuvante. Amy Adams e Viola Davis foram indicadas na categoria, Melhor Atriz Coadjuvante.

O filme conta uma história baseada na peça teatral Dúvida, que recebeu o prêmio Pulitzer, em 2005. É dirigido por John Patrick Shanley. Os acontecimentos se desenrolam na Escola Saint Nicholas, onde o padre Brendan Flynn tenta renovar o pensamento conservador e a pedagogia da disciplina, do vigiar e punir, liderada pela irmã Aloysius Beauvier. A escola é dirigida com mão de ferro pela freira. Movida pelo preconceito e pela não aceitação das atitudes inovadoras do padre, ela incute a dúvida e a desconfiança em relação a seu comportamento, induzindo as outras irmãs a verem o padre como alguém digno de desconfiança.

Tudo inicia com o sermão de Flynn tratando da dúvida e do que as pessoas fazem quando não têm certeza. Aloysius usa o tema do sermão para incutir a dúvida nas outras irmãs. Irmã James é uma doce freirinha, que se deixa manipular. Passa a observar o padre, tentando enxergar problemas que podem ser fruto de sua imaginação, mas que detonam uma grande crise na escola.

Entramos no cinema, munidos do preconceito, o padre deve ser mesmo um pedófilo e quem sabe? Deve ter feito tudo aquilo que o Almodóvar nos mostrou em seus filmes. Que horror! Lembramo-nos de quantos padres gordos, sebentos e rosados conhecemos no colégio das freiras, seriam pedófilos?

O filme vai passando e reavaliamos nosso pensamento. Ninguém pode ser acusado de nada sem provas. Juridicamente não existe culpa sem a prova da culpabilidade. E não havia nenhuma prova, apenas a dúvida.
A cena que simbolicamente mostra o mal que pode ser feito a alguém quando se levanta falso testemunho é a fábula do travesseiro. Em seu sermão, padre Flynn fala de uma mulher que teria confessado seus pecados, maledicências e fofocas. O padre lhe dá como penitência a tarefa de subir em um telhado com um travesseiro e cortá-lo com a faca. Imediatamente milhares de penas se espalham e são levadas pelo vento. É uma cena belíssima. A mulher volta a falar com o padre, que lhe diz: agora junte todas as penas. Ao que ela responde: impossível.

Moral da história, não há como recompor o travesseiro, jogado em mil penas de cima de um telhado. Assim como, não há como recompor a honra, depois que é jogada a lama sobre cada um de nós, depois que paira a dúvida. As penas irrecuperáveis, cada uma delas representam uma marca indelével e irrecuperável na honra e reputação de cada um de nós, quando somos atingidos pela maledicência.
A própria Irmã Beauvoir afirmava que nos afastamos de Deus quando damos um passo para consertar o erro, mas estamos a serviço dele. Isso tudo, na tentativa de justificar para si mesma e para os outros a sua acusação baseada apenas na intolerância e no preconceito.

As atitudes do padre, seu olhar, sua expressão de assombro, acuado quando a irmã o pressiona, contribuem para a permanência da dúvida. A idéia do terceiro olho, que tu vê é sugerida quando o padre entra na igreja e observa o vitral em que está desenhado o olho de Deus. Flynn Philip Seymour, excelente em seu papel, olha com certo temor para aquele olho, iluminado e amarelado. A dúvida permanece, mas nunca deveria contribuir para a sua condenação.

Aloysius sugere o terceiro olho, que controla tudo, quando ordena a irmã James, que coloque um quadro envidraçado em sua frente - com a foto do Papa Pio XII- para refletir e controlar os alunos que estão atrás, com se tivesse um olho na nuca.

Mas tudo aquilo era um exagero mesmo. E teria acontecido em 1964, um ano após a morte do presidente Kennedy. Uma Escola com a rigidez da Saint Nicholas somente poderia ser compreendida nos limites do século XIX.

E quem quase colocou a pá de cal na história da diretora foi a Sra. Miller (Viola Davis), mãe do menino Donald Miller (Joseph Foster), quando não aceita as acusações da freira e fala na natureza homossexual de seu filho. Ela afirma que a bondade do padre era verdadeira, que ele era a única pessoa que sentia compaixão por seu filho. Compaixão no sentido que Dalai Lama gostaria que cada um de nós pudesse desenvolver em relação ao outro: um desejo altruísta de ajudar a libertar todos os seres da aflição e do sofrimento. Mesmo assim Aloysius não desiste.

Os atores exageram na atuação atingindo o limite do overacting. Uma interpretação exagerada que pode ter definido a preferência do Oscar para Kate Winsley e não para Meril Streep. As cenas que reproduzem o teatro são tensas, em ambientes fechados e tornam-se mais dramáticas quando soa a campainha do telefone, estridente. Aquilo incomoda o espectador, cria um verdadeiro clima de mal estar quando Aloysius, em sua intolerância quer uma confissão do padre.

A chuva, o vento e as tormentas caem sobre o lugar castigando a todos. As lâmpadas estouram três vezes sobre a cabeça da freira, simbolizando todo o ódio e turbilhão desencadeado por ela. Para Aloysius Beauvier não importava que não existissem provas, ela afirmava saber das coisas, extrapolaria a igreja e bradava com o crucifixo na cara do padre como se ele fosse a própria visão do demônio.

Mas é Beauvier que mente, trata as crianças como prisioneiras e até tira o radinho de pilhas de um aluno, para depois ficar de fone no ouvido.

Através dela, John Patrick Shanley nos fala das pessoas que agem sob o domínio do preconceito e da intolerância, dos que não medem as conseqüências de seus atos. Vão até o fim, quando percebem o mal que podem ter feito aos outros e a si mesmas. Por isso mesmo seu “world was crashing”, como ela afirmava, enterrada num banco, coberta de preto, quase soterrada pela neve, fria como o seu coração.



3 comentários:

  1. Querida Dóris

    Excelente texto.
    Parabéns pela iniciativa de nos presentear com análises tão lúcidas e instigantes. Sou do time que não troca o "escurinho do cinema" por nenhum dvd de última geração e vejo que não estou sozinha...

    Beijos

    Ana Cattani

    ResponderExcluir
  2. Não vi o filme, mas fiquei atraída pelo tema, o que as pessoas fazem com suas convicções às vezes é assutador. Bela análise.

    ResponderExcluir
  3. Dóris,
    adorei teu texto. A fábula do travesseiro reflete mesmo uma imagem muito expressiva de fatos que ocorrem na vida real. Muito bom! Parabéns, amiga! Raquel.

    ResponderExcluir