segunda-feira, 16 de março de 2009

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA

O filme é uma adaptação do livro de François Bégaudeau, Entre les Murs, traduzido para o português e lançado pela Editora Dom Quixote, com o nome A Turma, em 2008. O diretor é Laurent Cantet e o roteiro é do próprio François Bégaudeau, Laurent Cantet e Robin Campillo. Ganhou a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, em 2008.

François Bégaudeau representa seu próprio papel. Ele é ex-professor, ex-jogador de futebol, ex-roqueiro, jornalista e comentarista de televisão.

A ação se passa no Liceu Dolto, no 19º arrondissement de Paris. Os alunos são problemáticos, o décor resume-se às cenas nos ambientes fechados das salas de aula, ou das salas de reuniões dos professores e do pátio da escola. Muito close up e planos médios definem as cenas dos confrontos e tensões entre o professor e seus alunos.

Os jovens também representam seus próprios papéis, inclusive usam seus próprios nomes. Os pais são seus pais verdadeiros. Os alunos da escola foram selecionados para participar do filme. Achei isso uma idéia genial.

É possível fazer um paralelo entre o filme de Cantet, as escolas francesas e o Brasil, no que se refere à violência. Embora aqui, se considerarmos como verdadeiras as cenas da novela Caminho das Índias, de Glória Perez a violência é muito maior.

Entre os Muros da Escola não mostra efetivamente os problemas dos alunos filhos de imigrantes, com nomes como Khoumba, Mezut, Bien-Aimé, Hadia, Djibril e Fangjie, cujos pais sequer falam o francês, mostra sim os conflitos na escola.

Embora tenham nascido na França, alguns deles sentiam-se mais muçulmanos, ligados à doutrina e os ensinamentos do alcorão, do islamismo e do muçulmanismo do que à pátria França.

Somente ficamos sabendo dos problemas de poucos, como o chinês Wei, o melhor aluno, cuja mãe seria deportada para a China, por viver ilegalmente em Paris.

Todos eram adolescentes, se considerarmos suas idades veremos que muitas vezes o professor exagerou. O filme privilegiava a briga e o confronto. Parece que o professor não conseguia sair honradamente desse confronto. Ele aceitava a provocação, quando não deveria fazê-lo. Caía na armadilha dos alunos.

Quando pela primeira vez conseguiu estabelecer uma aliança com Souleymane, um dos mais rebeldes, François não aproveitou a oportunidade para conquistá-lo. O aluno fez seu auto-retrato através de fotos e colocou legendas por sugestão do professor. Certo, os alunos eram terríveis, mas ninguém andava armado, pelo menos, e não falavam em consumo ou venda de drogas. E observe, Souleymane era dos mais limpos, cabelo cortado, um primor de visual para um aluno rebelde. O fato é que esse episódio caiu no esquecimento e não foi aproveitado pelo professor, em sua tarefa educadora.

A menina de aparelho nos dentes, Esmeralda, não era valorizada em sala de aula. Tinha lido “A República” de Platão, por iniciativa própria. Veja se nas escolas brasileiras, os alunos têm iniciativas desse tipo! Mas veja também que, nas escolas brasileiras, um grande número de professores tirou ZERO em prova da rede pública de São Paulo. E esses professores permaneceram ministrando aulas. Em nosso país o problema é igual ou maior.

O visual do professor, seu paletó escuro, seus gestos, seu corte de cabelo revelam uma pessoa conservadora. Talvez em conflito, consigo mesmo.

Logo em seguida François se irrita novamente com os alunos. Nós, professores também nos irritamos com nossos alunos. Todos nós erramos, sabemos disso. Mas sabemos também, que aquele que se irrita perde a razão. E isto, por si só depõe contra o professor. Acho que a tarefa diária do profissional é levar adiante o seu trabalho, sem se irritar e sem perder a cabeça.

François, pelo contrário vivia batendo boca com os alunos. Quando nos damos conta ele está no pátio da escola, sai da sala de aula e vai brigar com os alunos no pátio!

Em certo momento, a confusão quase vira um confronto físico. Uma aluna sai machucada. O problema vai para uma instância superior e professor explica, tentando diminuir a culpa de Souleymane, que o ferimento na colega tinha sido involuntário. Desta vez o estopim tinha sido as palavras empregadas pelo professor para definir as alunas representantes de classe - Esmeralda (de origem magrebina) e Louise - na reunião do Conselho Disciplinar. Bégaudeau inadvertidamente teria usado a palavra «pétasse» para se referir ao comportamento inaceitável da dupla. A expressão, forte demais foi o estopim para a pequena guerra, onde todos saíram perdendo professor e alunos.

Mais de uma vez, nas reuniões do Conselho Disciplinar ele tentava mediar uma situação, muitas vezes criada ou levada ao limite por ele mesmo.

Parece que não conseguia romper os conflitos mudando as tarefas dentro de sala de aula. De forma que os alunos esquecessem por alguns momentos as brigas, não tivessem tempo de pensar em bobagens, por precisarem cumprir outras tarefas.

Os professores da escola, na aparência, esforçavam-se por manter um bom nível de ensino. Mas não conseguiam resolver problemas maiores dos imigrantes. O próprio François Bégaudeau tenta colocar a questão quando fica sabendo por uma aluna, que o pai de Souleymane seria deportado para Mila, se o menino fosse expulso da escola. Ninguém parecia muito impressionado. Os colegas lamentam em um primeiro momento, um segundo depois, como todo francês estão bebendo espumante para brindar a gravidez de uma das professoras. Seria o preconceito contra imigrantes africanos, que não querem sequer aprender a falar o francês?

Finalmente termina o ano, o professor consegue rir com as alunas que tinha chamado de “petasses” (vagabundas, putas)? Houve a intenção? Bégaudeau afirmava que não.

E o estupor do professor quando uma aluna lhe fala que não aprendeu absolutamente nada durante o ano? François, nós também nunca esqueceremos o dia em um aluno nos pediu para ser reprovado...

Enfim, no final do ano é possível o momento de descontração com as mesmas meninas dos confrontos anteriores, é o momento do professor relaxar por saber que cumpriu seu dever e não de martirizar-se pelos erros que cometeu.

Nesse sentido ele é um ser privilegiado, é dos poucos que pode afirmar para si mesmo quando comete seus erros ou quando não dá a melhor das aulas:

- François, vida de professor é um dia atrás do outro, não te preocupes, amanhã poderás dar uma aula melhor que a de hoje. Se erraste hoje, terás muitas oportunidades de acertar nas próximas aulas, que serão muitas, não te aflijas. O importante é querer acertar.

6 comentários:

  1. Excelente comentário. Não vi o filme mas agora pretendo assistí-lo.Talvez os alunos de François se pareçam com nossos alunos da rede pública e nossos professores também se irritem com eles.Agora, se um aluno pedir para ser reprovado ou disser que não aprendeu nada, é sinal que aprendeu sim e agora compreende o ponto de partida de sua aprendizagem.Muitos alunos nem sequer se dão conta do que aprenderam ( ou deixaram de aprender).Nem sei se isto faz parte do filme...
    Parabéns pelo blog. Eu não havia conseguido acessá-lo antes.
    Beijo, sucesso, dora.

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  2. Doris,
    Vi seu comentário no BLOG do Merten. Para comentar no seu Blog, a pessoa não precisa ter conta no Google ou entrar como Anônimo, é só escolher a opção "Nome/URL" e preencher o nome.
    URL é opcional.
    A propósito, seus posts sobre os filmes são ótimos! Parabéns

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  3. Adorei sua visão do filme do Laurent Cantet.É ótimo termos um olhar fiminino , tão raro entre críticos de cinema,a nos mostrar ângulos que às vezes nos escapa.Sou assídua leitora do Merten e uma indicação dêle , tive certeza , não me decepcionaria.Parabéns, estarei sempre por aquí.
    Gisela Cafalli

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  4. aaaaaaaaaadorei,ganhou uma fã,além de super bem escrito,dá um parecer muito pessoal do filme.Mil corridas de 5 km,adrelanina pura...inspiracões ,para o antes,durante e depois...bjoca

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  5. Fantastic! Parabéns pela iniciatica Dóris! Abração.

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  6. O filme é mesmo muito bom, seu comentário idem. Vai além dos problemas e situações que apresenta. Escolas, estudantes jovens e professores sempre emocionam. Muitos ainda têm esperanças em um futuro melhor, outros tantos já desistiram. Todos nos emocionam. Seria bom se muitos professores pudessem ver... assim como os documentários "Pro Dia Nascer Feliz" e "Ser e Ter". Realidades distintas, mas todos tratando do futuro que pode esperar cada um, dependendo (muito, mas não só), da escola que podem ter. E nos faz pensar o que será do futuro coletivo...

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