terça-feira, 31 de março de 2009

O CASAMENTO DE RAQUEL

O Casamento de Raquel (Rachel Getting Married) é um belo filme dirigido por Jonathan Demme. No papel principal, Anne Hathaway foi indicada ao Oscar 2009, de Melhor Atriz e ao Globo de Ouro de Melhor Atriz - Drama. O filme recebeu seis indicações ao Independent Spirit Awards, nas categorias Melhor filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz (Anne Hathaway), Melhor Atriz Coadjuvante (Rosemarie de Witt e Debra Winger) e Melhor Roteiro de Estréia.

Kym Buchman é uma jovem com sérios problemas de envolvimento com drogas, que sai de uma clínica para visitar a família, no casamento da irmã, Rachel (Rosemarie de Witt). Os preparativos para o casamento antecipam o grande drama que irá aflorar durante a cerimônia. Parece um kerb, são vários dias de festa e de sofrimento para Raquele seus familiares.

Quando o filme inicia e a casa vai se enfeitando para a grande cerimônia, com muitos convidados, todos instalados no casarão, pensamos: "será que suportaremos o que vem por aí?" O melhor seria desistir, não ver o filme, ir embora. O melhor seria também não casar, aí não existiriam filmes corrosivos sobre o casamento. Melhor seria não presenciar cerimônias de casamento, que colocam o ridículo das pessoas à mostra, seus anseios pequeno-burgueses, seus ciúmes, suas mesquinharias. Kym (Anne Hathaway) não deveria ter entrado na casa de seu pai, isso teria adiantado alguma coisa? Porque ela vai para a casa do pai e não vai para a casa da mãe? Saberemos mais tarde.

Lembramo-nos quantos filmes assistimos sobre o casamento, corrosivos como o de Robert Altman, Cerimônia de Casamento, em que a grande preocupação é esconder o corpo da avó morta. Altman gosta de fazer filmes com diversos grupos de personagens, entrelaçando muitas histórias. Em O Casamento de Raquel não acontece nada disso. O filme trata do grande problema familiar, que envolve Raquel, seus pais e sua irmã.

Por outro lado, celebra de maneira positiva o pulo sobre o racismo. Entre os amigos de Raquel estão afro-descendentes e asiáticos, misturados a mulheres de pele muito clara. Todos celebram e confraternizam na grande festa. O noivo e sua família são afro-descendentes, têm uma cultura própria que se manifesta na música e na dança. Não deixa de ser engraçado quando eles ensaiam uma batida que parece uma mistura de samba, com dançado ventre. Precisariam ver o que é uma batida do Olodum da Bahia. Porém, da família do noivo não se cogita, trata-se da família da noiva. O racha tem vez quando Kym fala de si e de seus problemas na festa da irmã. Rachel não se contém e destila toda a sua amargura, raiva e ciúmes que sente de Kym. Todas as irmãs ao que parece disputam entre si a atenção e o carinho do pai. Acho que muda apenas o endereço. E os problemas, que em algumas casas são mais graves, em outras um pouco menos. É a própria manifestação do Complexo de Édipo Feminino, segundo Freud. O pai não sabe o que fazer para manter sua família unida. Sempre está preocupado com Kym, e vive oferecendo lanchinhos para a filha. O que enfurece Rachel, que pensa que a irmã é culpada pelos problemas da família, que é uma drogada, fumante inveterada.

Rachel se impacienta com a irmã, quando esta fala nos passos que precisa tomar, nas coisas que precisa fazer para reparar seus erros e equívocos. Rachel comporta-se como a rainha, adona da verdade, a que se considera incapaz de errar, e também incapaz de ver e de enxergar na irmã, um ser diferente. Visualmente ambas são bonitas, mas Anne Hathawy está linda nesse filme. Parece um desenho que saiu de uma história em quadrinhos. Uma heroína de quadrinhos, alta, muito alta, de calças justas, botas e mochila, um pouco encurvada, com o cabelo liso, repicado e curto. Para a mulher, cortar o cabelo tem o significado de aquisição de força. O corte do cabelo significaria o sacrifício da animalidade e da instintividade. Talvez, o que Kym tentasse controlar. Em alguns momentos ela é filmada com a câmera na mão e olho do observador muito baixo. Kym caminha, percorre os cômodos da casa reconhecendo-os sendo vista de baixo para cima, para denotaros problemas do personagem, com olhos enormes e sorriso perfeito.

O personagem de Rachel é mostrado, como a filha que deu certo na vida, até está casando! Ela tenta roubar toda a atenção de Kym. Afirma que a festa é sua. Chega a dar um golpe baixo quando Kym está no auge da argumentação defendendo seus pontos de vista. Raquel interrompe a irmã, muda de assunto e anuncia que está grávida. Todos esquecem Kym e voltam suas atenções e mimos para Raquel. Rosemarie de Witt também é uma mulher bonita, mas não se compara à outra. Possui um semblante duro, como exige o personagem e um nariz levemente adunco que a desfavorece.

O clímax do filme revela-se no encontro com a mãe. De início, Abby (Debra Winger) não demonstra o vulcão que a consome. Parece uma plácida mãe que aceita que a mulher de seu ex-marido tome conta da festa, que trata as filhas com um carinho que não disfarça a distância.

Finalmente, após uma das tantas brigas com a irmã, Kym vai à casa de sua mãe e lhe pergunta, porque esta teria permitido que ela aos dezesseis anos, drogada e chapada tomasse conta de Ethan o caçula, tão pequenino? Tentando controlar-se, a mãe lhe responde que ela cuidava bem de Ethan, que ela tinha jeito para cuidar do menino. Mas que, meu Deus! E completamente descontrolada, lhe diz que não era para ter feito o que fez! Kym responde com um tapa, e a mãe brutalmente, lhe acerta o mais doloroso soco no rosto. A pior resposta que uma filha poderia esperar.

E eis que surge a cena mais emocionante do filme. Kym reúne suas forças e tem a coragem de bater na porta da irmã. Esta lhe recebe com carinho, lhe dá um banho, cura suas feridas. A cena é muito bonita. Mesmo na cerimônia de casamento, Rachel tenta aproximar suas jóias mais preciosas, a mãe e a irmã. Inútil, como aqueles parentes que querem se livrar da gente, sem encarar a filha, Abby chama o táxi. Como se atender à pressa do taxista fosse o que havia de mais importante do mundo. O olhar de Kym é a mais profunda tristeza, à procura do perdão...


Um comentário:

  1. Dóris,
    Quando vi o filme achei que o descontrole de Abby se devia a um mix de culpa (afinal ela permitiu que a filha cuidasse do caçula) e raiva de Kym. Injusto, pois Abby me parece aquelas mães distantes, que nunca cuidam realmente dos filhos, que preferiam estar fazendo outra coisa ... E ela deixa Kym sozinha para enfrentar toda a responsabilidade sobre o que aconteceu.

    ResponderExcluir