Ang Lee fala de si mesmo e daquilo em que acredita
ao criar o personagem PI. As aventuras de PI conta a saga do menino que
sobrevive no mar em companhia de um tigre de Bengala, por mais de duzentos
dias. O diretor faz uma reflexão sobre questões existenciais, de fé e
humanidade. Fala também de como nossas vidas se transformam, como qualquer um
de nós pode ser capaz de se reerguer nas piores e mais difíceis situações.
Através do menino PI, fala de si mesmo e de você. PI mostra sua religiosodade
desde pequeno. Mãe e pai o advertem dizendo que não é possível acreditar em
três deuses ao mesmo tempo.
As aventuras de PI é própria relação do menino com
Deus, com a vida e com os animais. Ele acredita mais na companhia dos animais
do que dos seres humanos. Explica que a origem de seu nome, a décima sexta
letra do alfabeto grego, não se refere ao número 3,1416, mas ao nome de uma
piscina localizada em Paris, onde seu tio Mamadi nadava. Era a mais límpida
piscina do mundo e chamava-se Piscine Monitor Patel, daí o nome PI. Embora o
menino conseguisse preencher muitos quadros negros com os números de PI,
colegas e professores o chamavam de Pipi.
O filme fala de Karma e destino, da energia transcendente,
invisível e imensurável que deriva das ações dos seres humanos. Nas aventuras
de PI, os caminhos do Karma são os caminhos de Deus. Em sua vida, tudo é
mediado pela relação com Deus. Os efeitos do Karma são vistos como experiências
mutantes no passado, no presente e futuro. Cada um pode escolher entre fazer o
bem ou o mal, mas deve arcar com as consequências. Entre tantas opções
religiosas PI opta por ser hindu católico. Relata como conheceu a Deus nas
montanhas, quando fez uma aposta com o colega e bebeu água benta na igreja.
Descobre o amor e a fé em Deus através de seu filho Jesus. Leva uma vida calma
e feliz, quando conhece Anadi, a jovem que conquista seu coração.
Até que o destino o leva ao mar em companhia da família e dos animais do
circo. A grande tempestade arrasa com tudo e PI se vê em alto mar, dentro de um
bote, com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de Bengala. PI
conhecerá a força de sua fé quando precisar testá-la. Assim, se prepara para
enfrentar o desconhecido. Descobre que não é tão forte para enfrentar Richard
Parker, o tigre, mas que sua astúcia e fé poderão salvá-lo.
Impotente, vê a hiena matar a zebra e o orangotango. Descobre a força de
Richard Parker, quando este de um salto acaba com a hiena em segundos. Descobre
também que precisa alimentar o tigre para os dois sobreviverem.
Assim em completa solidão vemos cenas belíssimas, de PI e seu
companheiro no mar. E como PI encontra-se frente a Deus, como conversa com ele.
Quando não tem mais como lutar contra a natureza, se entrega a Deus,
sabendo que não poderia estar em melhores mãos. A simplicidade da relação
emociona, nada é muito complicado. Quando a tempestade insiste em destruí-lo,
reza: "Deus, me entrego a você , sou o seu canal, o que vier depois eu
quero saber, me mostre". E o menino fala alto quando está sozinho, acima
de tudo sabe que não pode perder a esperança!
Descobre que o olhar do tigre não é apenas o reflexo do próprio olhar.
Para ele Richard Parker tem alma. O tigre cai no mar e se apóia no barco. Seu
olhar para PI é um verdadeiro pedido de socorro. Como alguém se atreve a dizer
que no olhar do tigre vemos o apenas o nosso próprio reflexo?
Em desespero dá violentas marteladas no peixe que deve ser a próxima
refeição de Richard Parker. O olhar do peixe o traz de volta à razão, chora e
agradece a Deus por ter vindo sob a forma de um peixe para salvá-los. Enfim, a
fome pode mudar tudo o que você sabe sobre você mesmo, não é verdade? E se
fazemos pouco caso de questões tão importantes , não devemos esquecer que nesta
questão nunca fomos testados. Você consegue perceber a beleza que Ang Lee
deseja compartilhar conosco?
Se Richard Parker não pode ser domado, com a vontade de Deus pode ser
treinado e os dois se testam, dividindo o espaço exíguo no barco. PI também
descobre que Richard Parker salva sua vida. Atender às necessidades dele lhe dá
um propósito na vida. E você descobriu seu propósito na vida?
Finalmente o barco bate nas areias da praia da salvação. Richard Parker
desce, caminha em direção à floresta e desaparece. Sem sequer voltar a cabeça
para trás, sem olhar para PI, como numa despedida. Richard Parker o abandona
sem a menor sem cerimônia! E PI deixa para trás a infância e a adolescência,
amadurece.
Você lembra, se de fato se despediu de seu pai quando o viu pela última
vez? ou se despediu-se de seu bicho predileto? Claro, como aconteceu com
Richard Parker e PI, não era possível uma despedida...